Um dos nascedouros da cultura da uva e do vinho em Portugal, a Península de Setúbal recebeu as primeiras vinhas da Península Ibérica perto do ano 2.000 a.C. E continua cheia de histórias para contar. Conhecida mundialmente pelo Moscatel de Setúbal – um vinho fortificado como são, por exemplo, o Jerez espanhol e o Vinho do Porto –, a região segue mostrando que nunca se limitou apenas ao seu produto mais famoso.
Menos badaladas que regiões como Douro e Alentejo, Setúbal e suas diversas áreas vinícolas também produzem ótimos brancos e tintos “tranquilos”, que é como os portugueses chamam vinhos que não são espumantes nem fortificados. Pelo menos foi assim que o Botequim do Vinho avaliou uma pequena amostra da riqueza de aromas e sabores dos vinhos de lá, apresentados pela Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal (CVRPS) na Associação Brasileira de Sommeliers do Rio de Janeiro (ABS-RJ).
A Península de Setúbal tem duas Denominações de Origem (D.O.), uma para o moscatel – uma das primeiras do mundo, regulamentada em 1908 – e outra para os vinhos tintos de Palmela, um dos 13 Concelhos (espécies de “estados”) que compõem a península. Esses vinhos especificamente devem conter no mínimo dois terços das uvas moscatel de Setúbal (brancos) ou moscatel roxo (tintos), no caso da primeira D.O., e de castelão, no caso da segunda.
A região, aliás, é o berço dos melhores vinhos feitos com a uva castelão, uma das mais emblemáticas castas tintas portuguesas. Mas os vinhos ali produzidos não se limitam às cepas mais tradicionais, embora elas componham a maioria deles.
– Assim como a Itália, Portugal tem o maior número de castas autócnes (naturais de uma região) do mundo. E está hoje na dianteira das pesquisas e da investigação das principais castas e seus clones. É necessário entendermos cada vez melhor esse patrimônio vitivinícola e buscarmos sempre aprimorá-lo na expressão dos nossos vinhos, inclusive na combinação com cepas de fora – explica Henrique Soares, diretor da CVRPS.
Bebendo – A degustação proporcionou um breve panorama com castas típicas, mas também com um tinto elaborado 100% com uma uva “de fora”, a syrah, uma das que melhor se adapta aos tipos de solo e clima da região. Experimentamos cinco vinhos: branco, tintos e, é claro, os tradicionais moscatéis. Quase todos já presentes no mercado brasileiro.
O primeiro deles foi o Vinhas da Comporta 2014, da Herdade da Comporta, que fez apenas dez mil garrafas dessa safra. Tem predominância de uma combinação de castas brancas típicas portuguesas, como antão vaz (65%), fernão pires (10%), moscatel de Setúbal (10%) e verdelho (10%), além de viognier (5%).
É um vinho de tonalidade palha bem clara e de um frescor incrível, mineral e frutado ao mesmo tempo. Um detalhe que rapidamente se nota ao bebê-lo é sua acidez alta, o que o torna ótimo como aperitivo, por exemplo.
Em seguida, provamos o Adega de Pegões Syrah 2013, produzido pela Cooperativa Agrícola Santo Isidro de Pegões. A intenção da presença desse tinto na degustação era demonstrar a grande adaptação que a uva syrah tem na região.
O resultado é um vinho muito bom. Ao nosso ver, encorpado, denso e bastante aromático, trazendo um sabor de fruta madura, bem gostoso. E, de fato, não tendo qualquer semelhança com os da cepa syrah originários de outras regiões do mundo que já provamos, como chilenos ou argentinos, por exemplo.
Depois foi a vez do Pegos Claros Reserva 2012, da vinícola Herdade Pegos Claros. Um vinho feito 100% da uva castelão (também conhecida como periquita), a casta por excelência da região e que tem notas de aroma e sabor semelhantes às da uva tempranillo – esta última muito comum em vinhos espanhóis.
Sem dúvida o melhor vinho da degustação, bem concentrado e intenso. É produzido pelas vinhas mais antigas da região e, se pudéssemos de alguma forma traduzir, tem mais a “cara” de um vinho português, aqueles no estilo do Douro, como há de perceber quem está habituado aos vinhos dessa outra grande região vinícola.
Jóia portuguesa – Para fechar, Moscatel de Setúbal, uma das jóias de Portugal. O primeiro foi o Moscatel de Setúbal 2014, da SIVIPA (Sociedade Vinicola de Palmela), tradicional produtor local. O segundo e último, um Moscatel de Setúbal Superior 2001, da conhecida vinícola Bacalhôa.
O primeiro vinho é bastante bom, embora muito doce para o gosto deste Botequim. O vinho em si é uma “sobremesa”, mas pode ser harmonizado com doces típicos portugueses, por exemplo. Lembra muito o perfil de um Vinho do Porto do tipo Tawny, alaranjado na cor e com aromas de laranjeira e mel.
O segundo era simplesmente uma maravilha engarrafada. Safra de 2001, tendo passado oito anos em barricas de carvalho, traz aromas refinados de ameixa preta e amêndoas.
Ao ser bebido, traz aquela textura licorosa e macia, com o açúcar equilibrando 18% de graduação alcoólica (e vice-versa). E, ao prová-lo, só nos resta a vontade de brindar e desejar vida longa aos vinhos e ao Moscatel de Setúbal.
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