Nos 200 quilômetros de caves subterrâneas que existem em Champanhe, há um bilhão de garrafas nas quais a bebida amadurece. Em toda a região, são cerca de 15 mil famílias de viticultores e mais de 100 grandes maisons. Juntos, exportam por ano 150 milhões dessas garrafas, para 40 países. No entanto, os números superlativos não dão conta de explicar muita coisa. É só conversando com pequenos produtores que a gente entende a filosofia de vida simples daqueles que, de fato, são a alma da bebida que o mundo vê como sofisticada. Já havia sido assim com o vigneron Dominique Bouquin e não foi diferente na nossa parada seguinte: a casa onde é feito o Champagne Chardonnet & Fils.
Observada a partir dos vinhedos (foto que abre o post), a bonita casa de número 7 segue o padrão sóbrio das outras da Rue de l’Abattoir, na vila de Avize, no coração da Côte des Blancs – uma das quatro sub-regiões de Champanhe. Chegamos mais perto e vimos nos fundos do terreno um galpão com um trator estacionado (foto acima). Entramos e então fomos recebidos pela matriarca da família, Valérie, para a degustação numa sala na parte de trás de casa com impressionante vista para as vinhas.

Através da janela da sala utilizada para as degustações, a vista dos vinhedos de chardonnay da família Chardonnet
Intrigados com a sonoridade do nome da empresa, Champagne Chardonnet (que se pronuncia da mesma forma que a uva chardonnay, a base para todo legítimo champanhe), perguntamos se ela era a proprietária ou se apenas trabalhava ali. A resposta é direta e nos faz sorrir a todos:
– Je suis Madamme Chardonnet (Eu sou Madame Chardonnet) – dispara, claramente pronunciando o sobrenome de forma a fazer a associação com o som do nome da uva.
A partir daí, ela conduz a degustação com seriedade e visível orgulho pelo que faz. Conta que o marido, Lionel Chardonnet, é a terceira geração da família no negócio que assumiu em 1990. Tudo havia começado décadas antes com o avô dele, Gabriel, que no início apenas vinificava suas uvas para uma cooperativa da região. Depois os pais de Lionel, Michel e Yvette, desenvolveram a produção e a comercialização dos próprios champanhes.

Champanhes ‘Chardonnet & Fils’ na mesa para a degustação na casa da família produtora: simplicidade que encanta
Os Chardonnet têm atualmente seis hectares de vinhedos, três deles ali mesmo em Avize (cuja classificação é grand cru, a mais alta de Champanhe), onde cultivam chardonnay, e o restante na vila de Dormans, distante cerca de 40 km (onde plantam as variedades pinot noir e pinot meunier). Produzem 30 mil garrafas por ano, que exportam principalmente para Bélgica, Países Baixos e Estados Unidos.
Enquanto começa a abrir as garrafas – ali vendidas a preços que variam de 13 a 26 euros –, Madame explica que todas as etapas da produção dos champanhes são feitas pela própria família: plantam, colhem, vinificam, engarrafam, vendem. Ela revela que os filhos adolescentes ajudam também na manutenção do site. Nesse momento, perguntamos, achando que a resposta seria óbvia, se a família bebe champanhe todas as noites no jantar.
– Não, só em algumas ocasiões. Para mim, a vantagem de ter sempre champanhe em casa é cozinhar. Podemos fazer várias receitas à base de peixe, por exemplo – diz, para o nosso espanto.

‘Rosé de Saignée’. champanhe feito com as uvas pinot meunier e pinot noir ideal para sobremesas à base de frutas
Degustação – Experimentamos três ótimos champanhes. Começamos com o Cuvée Tradition Brut, uma combinação de chardonnay (70%) com pinot noir (30%). Com três anos de envelhecimento, tem bolhas finas (sinônimo de qualidade) e é bastante cremoso. Muito bom.
Depois passamos ao Blanc de Blancs, assim chamado por ser elaborado somente com uvas brancas, no caso (ou não seria champanhe) 100% chardonnay plantadas em Avize – o que faz dele um grand cru. Com amadurecimento de três a quatro anos na garrafa, pareceu-nos ainda mais especial que o primeiro, com muita fruta no aroma e no paladar. Ideal, ela explicou, para comer com carnes brancas e peixes. Achamos ótimo e decidimos levar uma garrafa.
Fechamos com um Rosé de Saignée. Trata-se de um champanhe feito com as uvas pinot meunier e pinot noir e que possui uma coloração mais intensa do que os rosés que havíamos provado até então. É um vinho mais adequado para acompanhar sobremesas à base de frutas. Nós o consideramos “diferente”, mas gostoso.
Encerrada a degustação, elogiamos a simplicidade elegante dela, da casa, dos champanhes e da própria empresa, familiar e sem nenhuma grande divulgação. Ela agradeceu e disse:
– Nós temos a sorte de ter as vinhas. E, para nós, isso é sagrado. O marketing não é importante, é um luxo. Quando falamos do nosso trabalho, estamos falando da nossa cidade, da nossa uva, isso é o mais importante – ensinou Madame Chardonnet, aquela que carrega no nome o som da uva que dá vida ao champanhe.
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