Até poucos dias antes da nossa terceira ida ao Vale dos Vinhedos, no começo de abril, nunca tínhamos ouvido falar da Vallontano. A minúscula vinícola-boutique, cuja produção anual é de apenas 45 mil garrafas, foi uma das “descobertas” que mais imprimiu novidade e frescor à viagem.
Essa pequena jóia às margens da Estrada do Vinho confirmou as nossas melhores expectativas de encontrar vinhos de grande qualidade, desconhecidos por nós, de baixo custo e com estilo próprio. Foi com essa jovem vinícola, criada em 1999, que fechamos o tour pela Serra Gaúcha. E é com ela que encerramos hoje a nossa série de histórias sobre a região, que começou na semana passada.
Era domingo e nos chamou a atenção aquela bonita construção de tijolos com um galpão nos fundos e rodeada de parreirais. Ao chegarmos, fizemos uma rápida degustação de dois tintos no balcão do agradável restaurante, um misto de café e risoteria.
Provamos os reservas Cabernet Sauvignon e Merlot, ambos de 2008 e de boa estrutura, além de serem bem frutados. Gostamos mais do segundo, tanto que o escolhemos para acompanhar os risotos do almoço, à base de carnes vermelhas. Para o nosso gosto, combinou muito bem.
Inspiração francesa – Talvez o que percebemos, ao beber os vinhos, como sendo uma “identidade própria” dos produtos da Vallontano, tenha origem na filosofia da vinícola. Essa filosofia é parecida – guardadas as devidas proporções – com a de pequenas propriedades que encontramos, por exemplo, em algumas regiões da França. Não por acaso, e só soubemos disso depois, o seu enólogo, Luis Henrique Zanini, inspirou-se no Domaine de Montille, da Borgonha, onde trabalhou e aprendeu a transmitir para o vinho a singularidade de cada microclima.
Bem ao estilo da região onde são feitos alguns dos melhores e mais famosos vinhos do mundo, Zanini defende um trabalho com métodos não intervencionistas, que consiga extrair o que de melhor a natureza pode dar, preservando as especificidades do solo e do clima de seus vinhedos:
– Devemos diferenciar técnica de tecnologia. A primeira é o entendimento do processo como um meio de transformação da natureza, já a tecnologia pode ser comprada e aplicada. O meu medo é que o excesso da utilização da tecnologia padronize os vinhos do mundo inteiro – costuma dizer o enólogo.
A Vallontano tem uma linha variada, embora pequena, de produtos. São cinco espumantes (entre bruts, extra brut, rosé e moscatel feitos a partir das uvas chardonnay, pinot noir, riesling itálico e moscato bianco), cinco tintos (principalmente das cepas merlot, tannat e cabernet sauvignon), um branco (100% chardonnay) e um rosé (100% de tempranillo), da safra 2013 e cuja produção tem apenas 2.790 garrafas.
A vinícola ganhou uma certa projeção quando o cantor Ed Motta, notório admirador de vinhos, deu destaque ao Vallontano Tannat 2004 (já esgotado), que foi considerado um dos cinco melhores vinhos brasileiros em 2007. Bem ao seu estilo, após uma degustação o músico disse que esse vinho tinha “um cafezal impressionante no nariz, taninos finos na boca” e que “nunca tinha visto um vinho brasileiro durar tanto tempo aberto e melhorando cada vez mais: abrimos às 5h da tarde e às 11h35 da noite ele ainda tinha muito assunto no copo”.
Parceria com a Itália – Mas o grande ícone, o xodó da Vallontano atende pelo nome de Oriundi. O tinto, safra 2011, é fruto de uma parceria com a maior fabricante de vinhos Amarone do mundo, a italiana Masi, e teve produção inicial de dez mil garrafas.
Depois de quase uma década e de muitos testes para ser finalizado, chegou-se a uma assemblage (combinação) que a vinícola considera perfeita entre as uvas tannat, teroldego e outras típicas da região do Vêneto, na Itália, mas provenientes de vinhedos de 15 a 50 anos do próprio Vale dos Vinhedos. A técnica de produção do Amarone Masi transformou essa região italiana em uma referência no assunto.
– É o vinho típico do Vêneto, a região de onde veio grande parte dos imigrantes e da cultura vitivinícola da Serra Gaúcha. É um produto de dois mundos unidos pela cultura e pela história. Com o Oriundi, conseguimos expressar de maneira original a centenária técnica do Amarone do Vêneto – explicou Zanini à época do lançamento do vinho.
O Oriundi não faz parte da degustação. Mesmo assim, nós resolvemos apostar nessa novidade e, por R$ 120, compramos uma garrafa. Ela é a de número 1.415 do lote inicial de dez mil e está guardada na adega para um momento especial. Ou para quando der vontade de bebê-lo e relembrar de mais essa bela jornada pela Serra Gaúcha.
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