Na Rua Harmonia, uma ladeira da Vila Madalena, em “Sampa”, tem um quintal muito especial. Fica no número 239, nos fundos de uma sapataria. Você passa pelo portão, dá uns passos e pronto, alguma coisa acontece no seu coração: a metrópole desaparece e a Selva de Pedra vira um jardim. O Jardim dos Vinhos Vivos.
Primeiro, você nada entende direito. A “dura poesia concreta de tuas esquinas”, cidade grande, ficou pra trás. Então, com um misto de excitação e ansiedade, você pede uma taça de vinho, “qualquer vinho”, que a dona recomenda e providencia sem demora.
Ela é Analu Torres, uma professora de francês que comanda o lugar com o marido, o francês Xavier Meney. Lá, um bar-restaurante-bistrô especializado em vinhos naturais, dependendo do dia tem degustação, aulas de francês focadas em vinhos, comida (nem sempre, tem que ver no facebook ou telefonar antes se quiser comer), e muitos, muitos rótulos.
Nós, naquela tarde/noite de sábado, só queríamos deixar o tempo passar – e o vinho descer. Começamos com uma taça de branco e outra de um vinho “laranja”, dos quais, é preciso confessar, nem lembramos os nomes.
Embasbacados com o lugar, não tiramos fotos deles (estão aí só os lindos tons da bebida nas taças…). Mas, acreditem, eram bons demais.
Olhando em volta, nota-se que ali não tem a “feia fumaça que sobe apagando as estrelas”. E que, das árvores desse vivíssimo jardim, parecem nascer garrafas.
Não, não bebemos tanto ainda. Elas estão penduradas nos galhos e até deitadas na terra de onde sobem as raízes.
Aí, eis que todo esse ambiente – e uma panela de bœuf bourguignon no fogo pilotado por Analu – nos leva ao súbito desejo: “Vamos beber um Borgonha”. Ajudados pela anfitriã, escolhemos um de safra 2015, de pequena produtora e de ótimo custo-benefício (esse aí da foto que abre o texto).
Sutileza e delicadeza são as palavras que talvez melhor exprimam, sempre, um bom Borgonha tinto. E dessa vez não foi diferente.
Alguma coisa aconteceu no coração da gente. A partir dali, foi pedir uma tábua de queijos e aproveitar cores, aromas, sabores. Curtir, numa boa, aquele quintal mágico de elegância discreta, um sonho feliz de cidade. E ver (e sentir), São Paulo, que de fato és “o avesso do avesso do avesso do avesso”.