Em Mendoza, entre milhares de hectares de vinhedos, há toda uma vegetação específica, fruto de um clima quase desértico e que compõe uma paisagem rústica e ao mesmo tempo exótica e discreta. No meio dela, destacam-se três árvores típicas: Serbal, que cresce nas encostas; Catalpa, com suas flores brancas e aromáticas; e Atamisque, arbusto que só existe na região do Valle de Uco. É essa pequena árvore que dá nome a uma vinícola onde são feitos alguns vinhos que, na nossa opinião, podem ser descritos como apenas maravilhosos: a Atamisque.

Parte dos vinhedos da vinícola no Valle de Uco, com a Cordilheira dos Andes ao fundo (foto: divulgação)
Atamisque também é o nome do vinho ícone da bodega, que tem nas linhas Catalpa e Serbal os seus produtos premium e básicos (estes os mais jovens e de menor complexidade), respectivamente. Essas palavras saídas da cultura local não poderiam ser mais adequadas a uma vinícola que está tão ligada àquela região que o seu prédio chega a se confundir com a paisagem, mimetizando-se tão bem com o seu entorno que é difícil localizá-lo. Também os seus vinhos parecem trazer embutidos toda a característica daquela região pedregosa, seca e de grande amplitude térmica entre os dias e as noites.
História – Nos últimos 10 anos, o Valle de Uco – região localizada a 80 km ao sul de Mendoza e com altitude média superior a mil metros – tornou-se o novo eldorado dos vinhos argentinos. Tanto vinícolas novas, muitas com capital estrangeiro, como algumas tradicionais (como é o caso da Zuccardi e da Catena, por exemplo) estão elaborando seus vinhos ali ou têm boa parte de sua plantação por lá. As condições climáticas e de solo são consideradas ideais por muitos enólogos, inclusive de fora da Argentina.
Mas a história em si daquele grande pedaço de terra é bem mais antiga e cheia de misturas. “Uco” era o nome do chefe indígena da tribo Huarpes Millcayak, que habitou o vale por vários séculos. No fim do século XV, chegaram os Incas vindos do Peru. Depois, na segunda metade do século XVII, os jesuítas fundaram uma propriedade rural chamada Estancia San José (que deu origem ao povoado onde fica a vinícola). Foi só no fim do século XIX, a propriedade começou a ser dividida entre proprietários particulares.

A sede da vinícola de outro ângulo, com os arbustos típicos da região, como os que dão nomes aos vinhos (Divulgação)
Dentro dessa história de séculos, a Atamisque – um pedaço de 700 hectares daquela antiga e imensa estancia criada pelos jesuítas – é um recém-nascido. Foi apenas em 2006 que o francês John Du Monceau comprou a área para fundar a vinícola. Depois de mais de 40 anos como alto executivo da rede internacional de hotéis Accor, ele decidiu entrar para o negócio do vinho junto com a mulher, Chantal, neta de um enólogo na Borgonha, na França.
Visita e degustação – O passeio pela vinícola dura cerca de uma hora. Mesmo chegando atrasados por termos nos perdido no caminho, fizemos o tour com uma guia muito atenciosa e que não teve pressa. Foi muito interessante ver seus gigantescos tanques de aço inox, alguns ainda com mosto de uva sendo fermentado, e a moderna forma pela qual o processo produtivo é feito por gravidade, sem a necessidade do uso de bombas.
A bodega tem 100 hectares de vinhedos próprios, situados a 1.300 metros de altura, onde são plantadas as variedades chardonnay, sauvignon Blanc, viognier, pinot noir, merlot, cabernet sauvignon, petit verdot, cabernet franc e, é claro, malbec. E também compra uvas selecionadas de pequenos produtores da região.

A grande mesa de madeira da sala de degustação da bodega, com a sala das barricas de carvalho à esquerda
A produção anual é de cerca de 700 mil garrafas, sendo 90% destinada à exportação para mais de 30 países. O Brasil é o seu terceiro mercado, atrás de Estados Unidos e China.
Na hora da degustação, escolhemos a opção que dava direito à prova de um vinho de cada uma das três linhas. Dessa forma, entre nós pudemos experimentar seis vinhos. Assim, dos mais jovens aos mais complexos, fomos de Serbal (um chardonnay e um cabernet franc), Catalpa (um de corte, com várias uvas, e outro só de malbec), e Atamisque (cabernet sauvignon e, depois, malbec). Alguns deles estão entre os melhores que já provamos.
Serbal – Os dois primeiros são vinhos bastante corretos, jovens e frutados, para o dia a dia. O branco, Serbal Chardonnay 2015, é fresco (não passa por madeira) e tem aromas agradáveis de banana e pêssego.
O tinto, Serbal Cabernet Franc 2015, é um vinho mais específico em termos de paladar, com um toque “apimentado”. Não é todo mundo de gosta.
Catalpa – Depois, passamos a dois exemplares de Catalpa, a linha média da vinícola e que já conhecíamos (e adoramos) aqui no Brasil. O primeiro, Catalpa Assemblage 2013, é uma combinação das variedades cabernet franc (40%), cabernet sauvignon, merlot e malbec (com 20% cada). Talvez “seco” demais na boca, mas ainda assim um vinho muito bom.
Para o nosso gosto, no entanto, foi superado pelo “colega”, o ótimo Catalpa Malbec 2014. De uma linda cor escura, ele tem um equilíbrio suave e uma predominância da fruta sobre o álcool (que ainda assim é alto, acima dos 14,5%), como o malbec deve ter.
Atamisque – Para fechar, dois da linha ícone: Atamisque Cabernet Sauvignon 2013 e Atamisque Malbec 2013. Que coisa… Vinhos de uma cor intensa, quase preta, elaborados com vinhas antigas, de mais de 90 anos, das quais extraem toda a potência da fruta. Somando-se a isso o fato de passarem 14 meses em barricas novas de carvalho francês e outros seis meses na garrafa antes de irem ao mercado, têm-se vinhos maravilhosos, macios, gostosos de beber.
Nos aromas e no paladar, o primeiro puxa para compota de cereja. O segundo, para nós o melhor disparado (lembrando sempre que o gosto, ainda mais em se tratando de vinhos, é absolutamente pessoal, sem “erro” nem “acerto”). Esse, um malbec puro, quase uma compota de frutas vermelhas, encorpado, sublime.
Saímos de lá em êxtase e carregando uma caixinha sortida com os vinhos de que mais gostamos. Nosso destino? O restaurante da Atamisque, o Rincón, localizado em outra parte da propriedade, distante dois quilômetros dali, para um almoço harmonizado (incrível!) sobre o qual falamos no post seguinte.
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